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Na obra E.A.P 2018, Gisele Sperb, a partir de uma pintura densa e mesclada, convida-nos a visitar um lugar desconhecido e nebuloso, no qual um gato parece flutuar entre a fumaça. Nesta obra, diferente dos seus trabalhos posteriores, Sperb parece conter sua pincelada marcada e expressiva, ou talvez a esconda na sobreposição de camadas, onde repousam seus mais viscerais instintos. A fumaça ou névoa que sustenta o gato, remete a própria vivência da artista e como vem construindo a sua história. Portadora de uma enfermidade que rouba sua energia e "inebria" o seu olhar, duplicando e desfocando as imagens, percebe tudo que a cerca como uma pintura abstrata. Durante o processo criativo, precisou negociar constantemente com estas nuances de fadiga, o que entranhou completamente em sua produção pictórica. Se por vezes era tomada por uma velocidade na impressão dos seus gestos, como que aprisionada no tempo presente, quando furtada a sua energia, o cansaço revelava um outro momento do seu trabalho, com sobreposição de camadas, as quais a cor atinge vagarosamente diferentes nuances de intensidade. Segundo as próprias palavras da artista “as marcas vigorosas denunciavam um aceleramento que remetia, mais uma vez, ao tempo presente.”
A interpretação da obra "o gato preto", de Edgar Allan Poe (E.A.P.) é sublime, capta profundamente a essência sombria do conto, no qual o narrador conta as atrocidades cometidas contra um gato que devota seu amor ao torturador. Em uma cólera fugaz mata o gato, que “visita” o narrador durante o sofrimento ao ver sua casa em chamas. Assim, como o narrador, Gisele dá voz aos seus próprios impulsos. 
Ao mesmo tempo que visita a literatura, busca um lugar seguro para expressar seus sentimentos, o “ninho”, a volta para casa, quando na infância, serenamente, lia um livro embaixo do pessegueiro. Na composição aqui observada, com uma pintura por vezes rebaixada, surgem do ocre, do vermelho, do terra siena queimada e marrons, tons que remetem a cor do solo de sua terra natal. Cores terrosas como o chão que repousava aquela menina quando mergulhava nas obras de Júlio Verne em busca de seus vívidos sonhos para encontrar os mistérios da viagem ao centro da Terra. A literatura fantástica sempre povoou os sonhos e a infância da artista e, aparece poeticamente viva no fazer artístico dessa menina/mulher. 
Na obra E.A.P. 2018, “o gato preto convida-nos” a participar do espaço criado na obra. Conforme destaca Israel Pedrosa sobre o expressionismo abstrato, a cor ganha uma nova característica e parece fazer parte do espaço, fazendo com que o observador passe a fazer parte da obra. O vermelho do fogo e o negro são usados com ousadia, aplica as camadas sem medo, projetando na tela suas emoções de forma lenta, mas ainda assim, intensa.
A obra analisada permite uma gama de interpretações. Quando o espectador descansa o olhar e logo retorna, consegue sobrenadar no oceano de novos significados. Agora o gato repousa vigoroso sobre o sangue da mulher morta, esperando apenas o momento sublime de se revelar. Chegando mais perto e permitindo-se penetrar a pintura, quase “ouve-se o grunhido do gato” preso na parede do porão. 
É impossível não perceber tempos coexistindo. Com o olhar aprisionado, o espectador pode experenciar os sentimentos de dois indivíduos unidos nas camadas de tinta, o narrador e a artista. Para aqueles que conhecem sua trajetória artística, Sperb desnuda um lado sombrio através do conto, que até agora não se via em suas obras. No processo surge, da ânsia de vida ao "suspender o tempo", a emersão da obra. Sobre isso, cabe apenas destacar as palavras do narrador da história/conto “[…] amanhã morrerei e quero hoje aliviar minha alma”, nesta obra. 

 

Geza Guedes
Mestre em História pela Universidade Federal de Pelotas
Historiadora responsável pelo Acervo Documental da APLUB

O ser artista, assim como o ser humano, desafia a vida em cada gesto criativo. É na criação, na transmutação de imagens, que a arte se revela. Arte que eufemiza as mais temíveis facetas humanas, como o tempo e a morte. Arte que não pode ser caracterizada como ação herege, mas sim a mais pura tarefa da imaginação. 
Gisele Sperb, em todo seu trajeto artístico, apresenta uma percepção do tempo incomum. Quando falamos do tempo, em Sperb, não falamos em temática, senão em marca, cunho e traço. O repertório da artista, sensível à temporalidade, parece extrapolar as próprias intimações de suas vivências, encontrando margem na ancestralidade da espécie humana, fato expresso no precioso trato simbólico, presente em cada uma de suas obras. A flexibilidade conceitual, tanto na teoria quanto na produção da artista, demonstra o desejo de instauração de sentidos, numa fuga consciente de julgamentos redutivos. Porém, reconhecemos em Sperb as influências que demarcam seu ser artista, como todo o simbolismo filosófico de autores consagrados elencados por ela, bem como a identificação da mesma com nomes relevantes do mundo das Artes, como Paul Cézanne, Willem De Kooning e Iberê Camargo. 
No que tange a obra em questão, denominada Suspensão 2017, parece o momento exato do corte fiel da artista na tela. Com um golpe veloz, faz sangrar o tempo. Mas, qual tempo está a sangrar? É Chronos que desfalece. Na mitologia grega, Chronos é considerado o senhor do tempo, o qual a todos domina e subjuga; com sua implacável efemeridade, devora os próprios filhos. No entanto, o traço da artista faz imperar Kairós, o filho mais jovem de Zeus, representando tudo aquilo que escapa a finitude cronológica, dada sua agilidade. Na morte de Chronos, suspende-se o tempo. Ato heroico que demanda não apenas a velocidade de Kairós, mas também a precisão da pincelada de Sperb. 
Por convergência, é importante destacar que na fase de produção de Suspensão 2017, Gisele Sperb demonstra preocupação com a rapidez de seus traços. Em seu livro, A epifania no processo criativo: quando o tempo é outro, diz: “(...) expressei uma velocidade que passou a me causar certo incômodo.  As marcas vigorosas denunciavam um aceleramento que remetia, mais uma vez, ao tempo presente.” (SPERB, 2020, p. 51). Contudo, as grandes batalhas, mesmo simbólicas, são travadas no presente. E no combate entre a artista e o tempo, vence Kairós, timbrando de vermelho o azul. Polaridades distintas, colocadas em colisão harmônica. 
O incômodo de Sperb era necessário, para romper com as barreiras impostas pelas contemporaneidades redutoras, pelas expectativas sociais, pelos atos negligentes de uma vida apressada, fugidia. Eis o instante que a artista ignora as balizas do tempo e do espaço, em transcendência, e encontra seu lugar na arte, suspensa.

Alexandre da Silva Borges
Doutorando e Mestre em Educação (UFPel)
Historiador (FURG/UAlg-Portugal)

Nas obras figurativas de Gisele Sperb, a questão do tempo é embalada pela observação atenta à rapidez e à fluidez dos momentos vivenciados pelo sujeito contemporâneo. A artista refletida em uma selfie no espelho revela a ela e a nós mesmos. Na instalação em que dentro de um cubo de gelo encontra-se um celular, Autorretrato - instalação, 2016, nos deparamos com a angústia e o desconforto ao ver um objeto tão “necessário” e “essencial” preso, acorrentado pelo tempo, tempo que derrete lentamente, tempo que não temos na contemporaneidade.

Na série de fotografias Experiência – 2017, a fragmentação causa um estranhamento, talvez ela queira que o observador dedique um pouco mais do seu tempo na fruição ao não tornar óbvio o objeto fotografado.

A artista retoma o tempo. Suas pinceladas enérgicas carregadas de expressões se acumulam e se mesclam alcançando a abstração. E, é neste processo contínuo que observo a névoa que paira no quadro de Gisele Sperb, Sem título -2017, uma névoa que que transborda para além dos quatro vértices. Essa mesma sombra(?) assustadora e enigmática que vejo na Lenda do Cavaleiro sem Cabeça de Washington Irving. Perdido na floresta, no campo de Batalha de Louchbuie, o Cavaleiro vive entre o passado e o presente que se fundem na suspensão do tempo.

Nas pinturas de 2018, a artista assume suas pinceladas expressivas sobrepostas aos vestígios de figuras e espaços que se mesclaram até a abstração.

Os trabalhos de Gisele nos fazem refletir sobre como experienciamos ou vivenciamos nosso cotidiano, como nos perdemos no nosso próprio tempo, nessa locomotiva que nos arrasta até o próximo dia.

Luana Bandeira

Artista visual

Gisele Sperb é uma artista multi meios que transita pelas práticas tradicionais de pintura, fotografias,  vídeos e instalações. Com muita maestria  e cadência sabe equilibrar o saber acadêmico das técnicas às necessidades contemporâneas de expressão, rompendo as fronteiras da arte! Parabéns por essa produção!

Prof. Dr. Wagner Lacerda de Oliveira

Escola de Belas Artes - Universidade Federal da Bahia

Gisele Sperb parece viver em um combate constante nas suas telas, a intensidade das pinceladas denunciam o limite da sua luta, não se trata somente de compartilhar memórias, mas também suas experiências,  atenta a um tempo que, afirma ela, é outro durante o processo criativo. 
No retrato J 2015, uma fatura por vezes aquosa, como o tempo escorrendo, duela e se deixa vencer pelas pinceladas marcadas em tons de azul e laranja, remetendo a eternidade e ao nascer do dia.
Na pintura Nyama 2018, o vermelho destaca-se na tela em meio a outras cores,  com pinceladas que remetem ao expressionismo. Neste período, a artista aprofundou sua pesquisa no simbolismo da cor, utilizando-se de autores como Johann Wolfgang von Goethe.
Na instalação, na qual um smartphone está aprisionado em um cubo de gelo, a artista provoca o observador a uma reflexão sobre suas  próprias experiências  diante das tecnologias na contemporaneidade. 
Nas últimas pinturas abstratas, azuis e laranjas se mesclam como que ratificando o tempo outro, passado, presente e futuro existem ao mesmo tempo. É possível encontrar figuras em meio a abstração, figuras que se misturam nos espaços. 
O trabalho de Sperb é um portal a disposição dos olhares atentos e reflexivos; um arquivo que guarda registros de suas ações, as quais se voltam a questões da existência, da memória, da ausência; das relações de vida e morte. 
A artista convida o espectador a conhecer o seu mundo e fazer parte dele,  através de uma cuidadosa pesquisa que se evidencia através de sua produção. 


Bea Barbosa
Psicóloga e Artista Visual

A produção artística de Gisele Sperb, que se desnuda e se coloca sob a lupa de um público com o  qual deseja estabelecer contato, brinda-nos com seus trabalhos diversos, usando várias técnicas em propostas bem elaboradas  onde demonstra sua habilidade desenvolvida e aprimorada. Na artista se percebe a propriedade e a técnica apurada, fundamentadas através de sua criatividade.

Sua produção artística exposta nas séries “Auto retratos”, Retratos, Experiência 2017, Fotografia 2017, Águas de Março 2019, Waiting 2016, Abstratos 2017, Abstratos 2018, Abstratos 2019 2020, Estudos Processos e Outras Linguagens, onde podemos perceber, suas tintas e cores puras, saídas de tubos para a tela, com pinceladas rápidas e em direções diversas, não fogem muitas vezes à definição da forma, onde se percebe seu traço acadêmico e talentoso.

Na série Outras linguagens no trabalho “Epifania” de 2015, podemos vislumbrar uma artista debruçada para um céu estrelado, talvez reminiscências do passado, tendo como tema o universo, sua imensidão escura e seus pequenos pontos de luz, pequenas estrelas numa possível referência ao pai, o contador de estrelas. Esse trabalho irrompe do seu quintal das memórias e vem à tona em um flash, ganhando um novo contexto e abordagem.

Suas pinturas utilizam cores vivas e contrastantes, com sobreposição, abstração e desmaterialização dos objetos, seus traços e pequenas deformações que nos trazem a idéia de movimento e dinamismo, rompem fronteiras e nos coloca frente a frente com uma tela vermelha, ou um recorte em grande escala, de uma outra tela, exalta a vida atual com ênfase em tecnologia, novos materiais e em novos aparatos industriais.

Explorando ao máximo o traço pictórico, as cores delimitando os planos diversos, trazendo intensidade e modelando os volumes aplicados à simplicidade de seus temas leves  da vida, refletem sua natureza inquieta e seu olhar atento. Ao simplificar a forma, não está imbuída de  intenção crítica, mas apenas nos fazer refletir sobre coisas simples e significativas do viver, alegrias e emoções do ser, recria assim a vida cotidiana.

A artista nos remete a uma reflexão, ao levar-nos pelos caminhos do inconsciente, explorando nossa imaginação e nossa subjetividade, nos surpreende com uma distorção do mundo real transcendendo o conhecido e rompendo barreiras nos remetendo a uma outra maneira de perceber seus temas propostos. O homem envolto em hábitos do cotidiano que se questiona diante do espelho e de si mesmo.

O trânsito fluído por diversas linguagens nos traz a versatilidade de uma artista que ao iniciar seus primeiros passos no porão da sua casa ainda em sua tenra infância, já esboçava a veia artística, e buscava traduzir suas observações sobre o mundo de forma peculiar. Para ela tudo é passível de observação e disso resultam seus trabalhos, reflexões no mais alto dos céus de noites estreladas a mergulhos em porões que se internalizaram ao longo de sua vida  trazem à tona mais uma obra. Segundo ela mesma “ Todo objeto é carregado de significado.Todo objeto é político”.

Parabéns pelos trabalhos!

Norma Cavalcante

Artista Plástica e Designer de Interiores

Escola de Belas Artes - Universidade Federal da Bahia

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